Questões de Disciplina na Assembleia
O “um só corpo”
na prática é também visto em questões entre assembleias no que diz respeito à
disciplina e excomunhão. Apesar de estarem separadas por muitos quilômetros, as
assembleias são vistas como todas estando sobre o único terreno e numa única
comunhão. Portanto elas reconhecem as decisões administrativas umas das outras
no que envolve o “ligar” e “desligar”. Essas decisões são tomadas
nas diferentes assembleias locais, como ações feitas em Nome do Senhor, mas são
reconhecidas por todas as outras assembleias reunidas sobre o fundamento do “um
só corpo”. A competência de cada assembleia local de agir em nome de todo o
corpo vem do fato de o Senhor estar em seu meio sancionando suas ações (Mt
18:18-20).
Além disso, em 1
Coríntios 12:27 Paulo indica que a assembleia em Corinto era a representante
local do corpo como um todo. A mesma coisa valeria para todas as assembleias
locais, independentemente de estarem em Corinto, Éfeso etc. Isto indica que
suas ações administrativas estariam afetando os santos como um todo.
Infelizmente a versão Almeida Revista e Corrigida diz: “vós sois o
corpo de Cristo, e seus membros em particular.” Isso é enganoso e poderia levar
alguém a pensar que o corpo de Cristo estava apenas em Corinto, como se eles
fossem os únicos no corpo ou como se cada assembleia local fosse o corpo de
Cristo. Evidentemente o corpo de Cristo engloba todos os Cristãos na face da Terra.
A versão Almeida Revista e Atualizada (e também a de J. N. Darby) traz: “vós
sois corpo de Cristo, e, individualmente, desse corpo”. Isso transmite com
mais precisão o pensamento. Note que Paulo não diz “nós”, mas “vós”. Ele
estava falando sobre a assembleia local em Corinto, e obviamente eles não eram
todo o corpo, mas eram do corpo de Cristo – isto é, faziam parte do todo.
Hamilton Smith ilustra
este ponto sugerindo que imaginemos um general dirigindo-se a uma companhia
local de soldados com estas palavras: “Lembrem-se de que vocês são Guardas Coldstream”
(tropa de elite da Rainha da Inglaterra). Ele não diria “Vocês são a Guarda Coldstream”,
pois eles não são todo o regimento. A ausência do artigo “o” na tradução
correta de “vós sois corpo de Cristo” transmite o verdadeiro significado
de que os irmãos em Corinto eram a expressão local do corpo de Cristo como um
todo. Isso os tornava competentes para agir em nome do corpo como um todo, nas
questões administrativas.
Se uma assembleia local
tomasse uma decisão de “desligar” alguém da comunhão, o corpo como um
todo deveria agir em comunhão com aquela assembleia local e reconhecer sua
decisão, de modo que a pessoa “desligada” seria considerada “fora”
também pelas outras assembleias também, e não apenas na localidade onde ela
residisse. Vemos isto em 1 Coríntios 5:13, onde a assembleia local em Corinto
deveria excluir um homem ímpio, tirando-o de seu meio. Mas em 2 Coríntios 2:6 nos
diz que “a repreensão” ou “censura” (JND) feita pela assembleia
em Corinto foi “feita por muitos”. Os “muitos” ali se referem ao
corpo como um todo – o conjunto universal dos santos.[1] Consequentemente
o ofensor passa a sentir uma repreensão mais ampla que apenas a de sua
assembleia local. Não dizemos que o homem em questão realmente foi a outras
localidades e sentiu a repreensão delas, mas que a execução da ação é expressa
universalmente pelo corpo como um todo. Se uma pessoa fosse afastada da comunhão
em uma localidade em particular, ela era considerada fora de comunhão em todo
lugar na Terra, porque o que é feito em Nome do Senhor em uma assembleia local
afeta o todo na prática.
Em Mateus 18:18
encontramos isso nas palavras do próprio Senhor. Quando uma assembleia local
toma uma decisão de “ligar”, Ele diz, “tudo o que ligardes na Terra...”. Ele não especificou onde
na Terra porque as ações da assembleia não se limitam a nenhuma localidade.
Embora uma decisão possa ser tomada em uma determinada localidade, ela é tomada
em nome do corpo como um todo e é ligada em toda a Terra. Não existe, na
Escritura, uma decisão de ligar que se aplique apenas a uma determinada
localidade. Neste versículo, o Senhor está simplesmente dizendo que, se a
assembleia tomar uma decisão em Seu Nome, Ele a reconhecerá. Se o céu a
reconhecer, então todos na Terra também devem reconhecê-la. Todos no terreno da
assembleia de Deus devem reconhecer essa ação e se submeter a ela. Dessa
maneira, a assembleia como um todo expressa a verdade de que é “um corpo”.
Da mesma forma, quando
se trata de reverter uma ação de ligar, a assembleia local suspende a censura e
“perdoa” (administrativamente) a pessoa arrependida, e o corpo como um
todo segue e expressa esse perdão também. Isso é confirmado nos comentários de
Paulo em 2 Coríntios 2:7-11. Embora Paulo tivesse autoridade para agir
apostolicamente nesse assunto, se necessário, ele escolheu esperar até que a
assembleia local em Corinto agisse, a fim de guardar “a unidade do Espírito”.
Ele disse: “A quem [vós] perdoais qualquer coisa, Também perdoo” (ARA). O exemplo dele nos ensina que
não devemos agir de forma independente, mas em conjunto com a assembleia local
que faz a ação.
Paulo segue dizendo: “para
que [nós] não
sejamos vencidos por Satanás” (2 Co 2:10). Ele não diz “para que vós não
sejais vencidos por Satanás”, referindo-se apenas aos coríntios. “Nós” indica os santos como um
todo no “um só corpo”. Paulo sabia que Satanás procurava dividir os
santos de qualquer maneira que pudesse, e que essas delicadas questões entre
assembleias eram onde o inimigo provavelmente iria agir. Portanto Paulo,
representando os santos de uma maneira geral, nos mostra como devemos agir
nessas questões de “desligar” um julgamento feitos por uma assembleia. Mesmo
que ele (e talvez outros) soubesse que aquele homem estava arrependido e devia
ser restaurado à comunhão, Paulo não queria se sobrepor à assembleia local em
Corinto e agir de forma independente – embora, por ser um apóstolo, tivesse autoridade
para fazer isso, se fosse necessário.
Temos ótimas instruções
aqui. Aprendemos com isso que a assembleia local (onde é feita a ação de um
julgamento de ligar) deve agir primeiro suspendendo essa censura, e que os
santos de outras localidades devem se submeter a ela e agir com eles como “um
corpo”. Irmãos de outras assembleias poderiam compartilhar seus exercícios
com os coríntios, conforme ilustrado pelo apóstolo Paulo, encorajando-os a
receber o homem arrependido, mas a suspensão efetiva da ação era de
responsabilidade da assembleia local. Outras assembleias receberem a pessoa em
comunhão, quando a assembleia local dela não o tivesse feito, seria confusão.
Satanás poderia usar isso e dividir os santos. Mas, ao agirem juntos nesses
assuntos entre assembleias, a Igreja guarda “a unidade do Espírito”; e, assim,
expressa a verdade de que “existe um corpo”.
Vemos um exemplo disso
em Atos 15, quando surgiram problemas entre os santos em Antioquia por causa de
mestres judaizantes de Jerusalém que perturbavam os santos com sua doutrina que
misturava a lei e a graça. Mais uma vez aprendemos algumas lições valiosas de
como Deus gostaria que lidássemos com os problemas entre assembleias. A
primeira coisa que aprendemos é que eles decidiram tratar o problema em
conjunto com os que estavam em Jerusalém. Ora, poderíamos achar que o motivo de
terem levado a questão a Jerusalém seria por ser ali um centro estabelecido por
Deus para lidar com problemas das assembleias, como se existisse um único lugar
central na Terra (uma sede) para onde as assembleias deveriam levar seus
problemas.
Mas a assembleia em
Antioquia não foi a Jerusalém por não se sentir qualificada em lidar com o
problema. Se fosse simplesmente para buscar um julgamento apostólico para a
questão eles poderiam ter apelado para os apóstolos Paulo e Barnabé, que
estavam ali com eles em Antioquia. Quem poderia ser mais qualificado que o
apóstolo Paulo para lidar com questões relacionadas à lei e à graça? Se por um
lado é verdade que eles davam valor ao discernimento dos apóstolos e líderes
que estavam em Jerusalém, e desejassem saber a opinião deles relacionada àquela
questão, por outro existia uma razão mais profunda para eles levarem o problema
até lá: era para “guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz”.
O fato é que os mestres
judaizantes, que estavam perturbando os santos em Antioquia, tinham saído de
Jerusalém (v. 24). Portanto, para evitar que a unidade prática entre as duas
assembleias fosse rompida, os irmãos em Antioquia não queriam lidar com o
problema de forma independente, mas preferiram levá-lo à sua origem. Isto mostra
que a Escritura não apoia a ideia de assembleias agindo de maneira autônoma.
Isto também nos ensina
que quando pessoas de uma determinada assembleia local visitam outra assembleia
e agem erradamente ali, ao ponto de isso exigir correção ou ação disciplinar, a
assembleia não deve agir de forma independente executando uma ação de “ligar”.
Ela deve levar o assunto à assembleia de origem dos causadores do problema,
para que esta possa lidar com a questão, e assim a “unidade do Espírito”
possa ser mantida no vínculo da paz. Infelizmente as dificuldades nem sempre
são tratadas da maneira bíblica, o que acaba levando alguns a ficarem confusos
quando surgem problemas.[2]
É digno de nota que
quando viajaram a Jerusalém levando aquela questão, eles pararam em várias
assembleias pelo caminho, sem transtornarem essas assembleias espalhando o
problema entre elas. Eles falaram apenas das coisas que “davam grande
alegria a todos os irmãos” (At 15:3), apesar de indubitavelmente estarem
profundamente atribulados com a questão que atingia o cerne da posição Cristã em
graça. Isto nos ensina a importância de não espalharmos desnecessariamente os
problemas de uma assembleia local. Nosso adversário, o diabo, poderia se
aproveitar disso para causar problemas entre os santos. Este é um princípio
ensinado em 2 Samuel 1:19-20, quando houve tristeza em Israel com respeito ao
seu rei (Saul) sendo morto por seus inimigos. Eles decidiram não espalhar a
notícia, principalmente entre seus inimigos, os filisteus, ao dizerem, “Ah,
ornamento de Israel! Nos teus altos foi ferido, como caíram os poderosos! Não o
noticieis em Gate, não o publiqueis nas ruas de Ascalom” (ARF).
[1]
N. do A.: A nota
de rodapé da Bíblia traduzida por J. N. Darby em 2 Coríntios 2:6 indica que “os
muitos” se referem ao corpo como um todo – ao conjunto universal dos
santos; ele menciona 2 Coríntios 9:2 como um exemplo de seu uso e significado.
[2]
N. do A.: O problema que ocorreu em 1884 com F. W. Grant é um exemplo
disso. Embora a questão não tenha sido tratada exatamente do modo ensinado nas
Escrituras, as ações heréticas de Grant e seus adeptos, ao estabelecerem uma
mesa (comunhão) independente, manifestaram o seu verdadeiro caráter. Antes que
tivessem tempo para corrigir o problema, já no dia do Senhor seguinte Grant
tinha saído e formado sua própria reunião, seguido por irmãos de muitos lugares
que simpatizavam com ele nessa recém-formada comunhão herética. Eles passaram a
ser conhecidos como “irmãos Grant”. Por duas razões os irmãos em Montreal
acharam que poderiam lidar sozinhos com Grant, sem a comunhão com a assembleia
em Plainfield, NJ (a assembleia à qual Grant pertencia): 1) Grant estava
morando naquela área há várias semanas ou meses e, portanto, os irmãos acharam
que o assunto tinha se tornado responsabilidade de Montreal; 2) eles sabiam que
existia em Plainfield um forte espírito partidário, o que acabaria não levando
a solução alguma.
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