segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Questões de Disciplina na Assembleia


Questões de Disciplina na Assembleia

O “um só corpo” na prática é também visto em questões entre assembleias no que diz respeito à disciplina e excomunhão. Apesar de estarem separadas por muitos quilômetros, as assembleias são vistas como todas estando sobre o único terreno e numa única comunhão. Portanto elas reconhecem as decisões administrativas umas das outras no que envolve o “ligar” e “desligar”. Essas decisões são tomadas nas diferentes assembleias locais, como ações feitas em Nome do Senhor, mas são reconhecidas por todas as outras assembleias reunidas sobre o fundamento do “um só corpo”. A competência de cada assembleia local de agir em nome de todo o corpo vem do fato de o Senhor estar em seu meio sancionando suas ações (Mt 18:18-20).
Além disso, em 1 Coríntios 12:27 Paulo indica que a assembleia em Corinto era a representante local do corpo como um todo. A mesma coisa valeria para todas as assembleias locais, independentemente de estarem em Corinto, Éfeso etc. Isto indica que suas ações administrativas estariam afetando os santos como um todo. Infelizmente a versão Almeida Revista e Corrigida diz: “vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.” Isso é enganoso e poderia levar alguém a pensar que o corpo de Cristo estava apenas em Corinto, como se eles fossem os únicos no corpo ou como se cada assembleia local fosse o corpo de Cristo. Evidentemente o corpo de Cristo engloba todos os Cristãos na face da Terra. A versão Almeida Revista e Atualizada (e também a de J. N. Darby) traz: “vós sois corpo de Cristo, e, individualmente, desse corpo”. Isso transmite com mais precisão o pensamento. Note que Paulo não diz “nós”, mas “vós”. Ele estava falando sobre a assembleia local em Corinto, e obviamente eles não eram todo o corpo, mas eram do corpo de Cristo – isto é, faziam parte do todo.
Hamilton Smith ilustra este ponto sugerindo que imaginemos um general dirigindo-se a uma companhia local de soldados com estas palavras: “Lembrem-se de que vocês são Guardas Coldstream” (tropa de elite da Rainha da Inglaterra). Ele não diria “Vocês são a Guarda Coldstream”, pois eles não são todo o regimento. A ausência do artigo “o” na tradução correta de “vós sois corpo de Cristo” transmite o verdadeiro significado de que os irmãos em Corinto eram a expressão local do corpo de Cristo como um todo. Isso os tornava competentes para agir em nome do corpo como um todo, nas questões administrativas.
Se uma assembleia local tomasse uma decisão de “desligar” alguém da comunhão, o corpo como um todo deveria agir em comunhão com aquela assembleia local e reconhecer sua decisão, de modo que a pessoa “desligada” seria considerada “fora” também pelas outras assembleias também, e não apenas na localidade onde ela residisse. Vemos isto em 1 Coríntios 5:13, onde a assembleia local em Corinto deveria excluir um homem ímpio, tirando-o de seu meio. Mas em 2 Coríntios 2:6 nos diz que “a repreensão” ou “censura” (JND) feita pela assembleia em Corinto foi “feita por muitos”. Os “muitos” ali se referem ao corpo como um todo – o conjunto universal dos santos.[1] Consequentemente o ofensor passa a sentir uma repreensão mais ampla que apenas a de sua assembleia local. Não dizemos que o homem em questão realmente foi a outras localidades e sentiu a repreensão delas, mas que a execução da ação é expressa universalmente pelo corpo como um todo. Se uma pessoa fosse afastada da comunhão em uma localidade em particular, ela era considerada fora de comunhão em todo lugar na Terra, porque o que é feito em Nome do Senhor em uma assembleia local afeta o todo na prática.
Em Mateus 18:18 encontramos isso nas palavras do próprio Senhor. Quando uma assembleia local toma uma decisão de “ligar”, Ele diz, “tudo o que ligardes na Terra.... Ele não especificou onde na Terra porque as ações da assembleia não se limitam a nenhuma localidade. Embora uma decisão possa ser tomada em uma determinada localidade, ela é tomada em nome do corpo como um todo e é ligada em toda a Terra. Não existe, na Escritura, uma decisão de ligar que se aplique apenas a uma determinada localidade. Neste versículo, o Senhor está simplesmente dizendo que, se a assembleia tomar uma decisão em Seu Nome, Ele a reconhecerá. Se o céu a reconhecer, então todos na Terra também devem reconhecê-la. Todos no terreno da assembleia de Deus devem reconhecer essa ação e se submeter a ela. Dessa maneira, a assembleia como um todo expressa a verdade de que é “um corpo”.
Da mesma forma, quando se trata de reverter uma ação de ligar, a assembleia local suspende a censura e “perdoa” (administrativamente) a pessoa arrependida, e o corpo como um todo segue e expressa esse perdão também. Isso é confirmado nos comentários de Paulo em 2 Coríntios 2:7-11. Embora Paulo tivesse autoridade para agir apostolicamente nesse assunto, se necessário, ele escolheu esperar até que a assembleia local em Corinto agisse, a fim de guardar “a unidade do Espírito”. Ele disse: “A quem [vós] perdoais qualquer coisa, Também perdoo” (ARA). O exemplo dele nos ensina que não devemos agir de forma independente, mas em conjunto com a assembleia local que faz a ação.
Paulo segue dizendo: “para que [nós] não sejamos vencidos por Satanás” (2 Co 2:10). Ele não diz “para que vós não sejais vencidos por Satanás”, referindo-se apenas aos coríntios. “Nós” indica os santos como um todo no “um só corpo”. Paulo sabia que Satanás procurava dividir os santos de qualquer maneira que pudesse, e que essas delicadas questões entre assembleias eram onde o inimigo provavelmente iria agir. Portanto Paulo, representando os santos de uma maneira geral, nos mostra como devemos agir nessas questões de “desligar” um julgamento feitos por uma assembleia. Mesmo que ele (e talvez outros) soubesse que aquele homem estava arrependido e devia ser restaurado à comunhão, Paulo não queria se sobrepor à assembleia local em Corinto e agir de forma independente – embora, por ser um apóstolo, tivesse autoridade para fazer isso, se fosse necessário.
Temos ótimas instruções aqui. Aprendemos com isso que a assembleia local (onde é feita a ação de um julgamento de ligar) deve agir primeiro suspendendo essa censura, e que os santos de outras localidades devem se submeter a ela e agir com eles como “um corpo”. Irmãos de outras assembleias poderiam compartilhar seus exercícios com os coríntios, conforme ilustrado pelo apóstolo Paulo, encorajando-os a receber o homem arrependido, mas a suspensão efetiva da ação era de responsabilidade da assembleia local. Outras assembleias receberem a pessoa em comunhão, quando a assembleia local dela não o tivesse feito, seria confusão. Satanás poderia usar isso e dividir os santos. Mas, ao agirem juntos nesses assuntos entre assembleias, a Igreja guarda “a unidade do Espírito”; e, assim, expressa a verdade de que “existe um corpo”.
Vemos um exemplo disso em Atos 15, quando surgiram problemas entre os santos em Antioquia por causa de mestres judaizantes de Jerusalém que perturbavam os santos com sua doutrina que misturava a lei e a graça. Mais uma vez aprendemos algumas lições valiosas de como Deus gostaria que lidássemos com os problemas entre assembleias. A primeira coisa que aprendemos é que eles decidiram tratar o problema em conjunto com os que estavam em Jerusalém. Ora, poderíamos achar que o motivo de terem levado a questão a Jerusalém seria por ser ali um centro estabelecido por Deus para lidar com problemas das assembleias, como se existisse um único lugar central na Terra (uma sede) para onde as assembleias deveriam levar seus problemas.
Mas a assembleia em Antioquia não foi a Jerusalém por não se sentir qualificada em lidar com o problema. Se fosse simplesmente para buscar um julgamento apostólico para a questão eles poderiam ter apelado para os apóstolos Paulo e Barnabé, que estavam ali com eles em Antioquia. Quem poderia ser mais qualificado que o apóstolo Paulo para lidar com questões relacionadas à lei e à graça? Se por um lado é verdade que eles davam valor ao discernimento dos apóstolos e líderes que estavam em Jerusalém, e desejassem saber a opinião deles relacionada àquela questão, por outro existia uma razão mais profunda para eles levarem o problema até lá: era para “guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz”.
O fato é que os mestres judaizantes, que estavam perturbando os santos em Antioquia, tinham saído de Jerusalém (v. 24). Portanto, para evitar que a unidade prática entre as duas assembleias fosse rompida, os irmãos em Antioquia não queriam lidar com o problema de forma independente, mas preferiram levá-lo à sua origem. Isto mostra que a Escritura não apoia a ideia de assembleias agindo de maneira autônoma.
Isto também nos ensina que quando pessoas de uma determinada assembleia local visitam outra assembleia e agem erradamente ali, ao ponto de isso exigir correção ou ação disciplinar, a assembleia não deve agir de forma independente executando uma ação de “ligar”. Ela deve levar o assunto à assembleia de origem dos causadores do problema, para que esta possa lidar com a questão, e assim a “unidade do Espírito” possa ser mantida no vínculo da paz. Infelizmente as dificuldades nem sempre são tratadas da maneira bíblica, o que acaba levando alguns a ficarem confusos quando surgem problemas.[2]
É digno de nota que quando viajaram a Jerusalém levando aquela questão, eles pararam em várias assembleias pelo caminho, sem transtornarem essas assembleias espalhando o problema entre elas. Eles falaram apenas das coisas que “davam grande alegria a todos os irmãos” (At 15:3), apesar de indubitavelmente estarem profundamente atribulados com a questão que atingia o cerne da posição Cristã em graça. Isto nos ensina a importância de não espalharmos desnecessariamente os problemas de uma assembleia local. Nosso adversário, o diabo, poderia se aproveitar disso para causar problemas entre os santos. Este é um princípio ensinado em 2 Samuel 1:19-20, quando houve tristeza em Israel com respeito ao seu rei (Saul) sendo morto por seus inimigos. Eles decidiram não espalhar a notícia, principalmente entre seus inimigos, os filisteus, ao dizerem, “Ah, ornamento de Israel! Nos teus altos foi ferido, como caíram os poderosos! Não o noticieis em Gate, não o publiqueis nas ruas de Ascalom” (ARF).




[1] N. do A.: A nota de rodapé da Bíblia traduzida por J. N. Darby em 2 Coríntios 2:6 indica que “os muitos” se referem ao corpo como um todo – ao conjunto universal dos santos; ele menciona 2 Coríntios 9:2 como um exemplo de seu uso e significado.
[2] N. do A.: O problema que ocorreu em 1884 com F. W. Grant é um exemplo disso. Embora a questão não tenha sido tratada exatamente do modo ensinado nas Escrituras, as ações heréticas de Grant e seus adeptos, ao estabelecerem uma mesa (comunhão) independente, manifestaram o seu verdadeiro caráter. Antes que tivessem tempo para corrigir o problema, já no dia do Senhor seguinte Grant tinha saído e formado sua própria reunião, seguido por irmãos de muitos lugares que simpatizavam com ele nessa recém-formada comunhão herética. Eles passaram a ser conhecidos como “irmãos Grant”. Por duas razões os irmãos em Montreal acharam que poderiam lidar sozinhos com Grant, sem a comunhão com a assembleia em Plainfield, NJ (a assembleia à qual Grant pertencia): 1) Grant estava morando naquela área há várias semanas ou meses e, portanto, os irmãos acharam que o assunto tinha se tornado responsabilidade de Montreal; 2) eles sabiam que existia em Plainfield um forte espírito partidário, o que acabaria não levando a solução alguma.

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